sábado, dezembro 27, 2003

A lista do Pai Natal

Este ano consegui pôr as mãos numa coisa que sempre quis desde miúdo: a lista completa de presentes dada pelo Pai Natal. Não foi fácil. Tive de subornar umas das renas (não vou mencionar nomes para evitar retaliações) e arquitectar um inteligente plano: enquanto o velho pançudo estava a ver o canal “Playboy”, ao minha aliada foi ao seu computador pessoal e imprimiu a lista de prendas a distribuir.
Era uma ambição minha há muito tempo, desde que o comuna de barrete vermelho me deu um par de peúgas quando eu havia pedido um carro telecomandado – a partir daí, enquanto as crianças perguntavam se existia o Pai Natal, eu perguntava como fazer acreditar o Pai Natal que eu existia.
Desta vez consegui, ele vai ficar com o meu nome gravado naquela memória de doente de Parkinson. Entretanto, descobri que não fui o único a receber um livro – em vez do leitor de DVD’s que pedi. A única excepção foi o filme do Spielberg “E.T. – O extraterrestre” para o José Castel-Branco e o CD dos Groove Amada “Shake That Ass” para a Marisa Cruz. Mas deixo aqui parte da lista para desmascarar de uma vez por todas esse maluco a que chamam de Pai Natal...

“O Fio da Navalha”, de Somerset Maugham para Durão Barroso
“A Naúsea”, de Jean Paul Sartre para Paulo Portas
“Economia e Finanças Públicas”, de Cavaco Silva para Manuela F. Leite
“Kaputt”, de Curzio Malaposta para Ferro Rodrigues
“Só”, de António Nobre para Jorge Sampaio
“O Inferno”, de Dante Alighieri para Paulo Pedroso
“A Queda de um Anjo”, de Camilo Castelo Branco para Carlos Cruz
“O Exorcista”, de William Peter Blatty para o Juíz Rui Teixeira
“O Anticristo” de Friedrich Nietzsche para Carlos Silvino “Bibi”
“As Mãos Sujas”, de Jean Paul Sartre para Herman José
“A Besta Humana”, de Emílio Zola para George W. Bush
“Um Homem Liquidado”, de Giovanni Papini para Tony Blair
“Catecismo da Igreja Católica” para Bispo Armindo Lopes Coelho
“A Ingénua Libertina”, de Colette para Fátima Felgueiras
“Quo Vadis”, de Henryk Siekiewicz para Cavaco Silva

segunda-feira, dezembro 22, 2003

Céu e Inferno

Já há muito tempo que não escrevia aqui e, para dizer a verdade, cheguei a pensar que não voltaria. A questão é que tive quase a ir desta para melhor, a bater as botas, a esticar o pernil. Como foi? Bom, foi assim...
Percorri um túnel escuro e, ao fundo, uma luz clara iluminava umas escadas que subiam até ao infinito. Comecei a escalada e um milhão de degraus depois estava um homem com umas longas barbas brancas, um cajado na mão direita e umas chaves na mão esquerda. Parecia óbvio onde me encontrava: ou numa prisão para idosos, ou no Paraíso. Mas o pior é que a minha visão do Céu sempre foi um pouco infernal: pessoas de camisa de noite a tocar harpa em cima de nuvens separadas e anjinhos de asas pequenas com um ar apaneleirado, qual manjar de Carlos Cruz.
Não consigo ouvir harpa por mais de cinco minutos seguidos e as músicas que gostava de aprender devem ser grande sucesso no mundo das trevas. Para além disso, a humidade das nuvens iria fazer-me mal à sinusite. Foi, portanto, com um bocado de receio que me dirigi ao homem das barbas:
- Ó Pai Natal, não penses que me afastas das pessoas que gosto. Quero uma nuvem para dois e visitas ao Sábado, quero saber os resultados do “Glorioso” e ver os melhores filmes do ano, ...
Aconselhou-me a dar uma vista de olhos no Inferno. Aceitei de bom agrado e pus-me a caminho com um cartão de Boas Festas da parte do pessoal do Paraíso. Sempre me assustou a ideia de passar a eternidade em sofrimento sem alívio, por isso passei antes na casa de banho.
Cheguei a um sítio muito parecido com as urgências de um Hospital público. Portanto, devia estar no Inferno. Como tinha uma cunha, fui logo atendido: do meio das escuridão e do fogo, apareceu repentinamente um demónio horrível, quase tão feio como o Ferro Rodrigues. Fiquei à espera que chupasse a minha alma com a sofreguidão de quem bebe um refresco no deserto, mas em vez disso ajoelhou-se e começou a chorar destemperadamente como uma criança pequena que acabou de ver o Herman José louro. Perante aquele cenário, não resisti e comecei a berrar de medo – mas isso acabou por afligir mais ainda o estranho demónio, que implorou para que eu não fizesse barulho senão acabaria por acordar o Vasco Santana. Nesse preciso momento, uma voz familiar disse num tom gingão:
- Ó Evaristo, tens cá disto?
O pobre demónio começou a chorar mais angustiado, explicando que não aguentava aquele local desde que os actores da “revista à portuguesa” foram para ali. De facto, não estava preparado, depois de milénios com o pior da humanidade, para algo tão mau. Jurou, ainda, que quando o Camilo de Oliveira morresse, ia fugir com o Hitler, o Napoleão e mais gente pouco habituada a ver assim tanto horror e decadência.
Foi neste preciso momento que acordei encharcado em suor e cheio de febre. Estaria a sonhar? Na TV estava a dar um programa da Marina Mota. A minha pergunta foi respondida.